Acessibilidade: O que fazer quando existe mas é inacessível?


Tempo de leitura: 4 minutos

Olá caros leitores!

Quando escrevi o artigo sobre acessibilidade em instrumentos eletrônicos, recebi diversos e-mails e mesmo comentários aqui incentivando a ideia. Claro que, como sempre acontece, alguém é do contra, e diz que as empresas não tem a obrigação de fornecer acessibilidade esquecendo mesmo de duas coisas: 1) A própria lei, que regulamenta isso, e: 2) O fato de estar usando da própria acessibilidade pra dizer o que está dizendo. Claro que gente assim não conheceu a época em que um livro a mais em braille ou gravado já era um grande ganho, e que a gente tinha que lutar, até mesmo pra entrar na escola e que as vezes nos repelia dizendo abertamente que “não tinha condições de assumir tal responsabilidade” (Educar um deficiente). Fácil é falar hoje em dia contra a acessibilidade, pra quem não conheceu aquela época e tem, hoje, de mão beijada um dosvox, um NVDA e diversas outras ferramentas de forma gratuita. Contudo basta lembrar as dificuldades que enfrentamos quanto à acessibilidade nas universidades, por exemplo, e esse tipo de argumento já se extingue por si sem precisar de mais contra-argumentos.

Contudo, o que mais me chamou a atenção quanto à repercussão do artigo não foi nem isso:

Um dia depois de ter publicado o artigo, recebi um e-mail de uma das integrantes de nossa comunidade, Rebeca Serra, falando sobre um problema bastante curioso: Ela tem um amigo, o Tiago, que além de ter problema visual, tem problema em uma das mãos por consequência de uma mielite, o que, além da visão, acabou afetando toda a coordenação motora do lado esquerdo. Pois: O Tiago é flautista, e a meses ele e a Rebeca, e agora eu, depois do contato dela, estamos tentando conseguir para ele uma “flauta acessível”, na qual ele possa tocar, com a mão direita, enquanto com a esquerda (Que os movimentos foram afetados pela doença mas não completamente), lê as músicas no sistema Braille. Pois bem, o absurdo dos absurdos é o seguinte: A tal flauta existe! Sim, existe e é fabricada pela Yamaha. O modelo é YRS-900 R (O R significa right), e, claro, é uma flauta que pode ser tocada somente com a mão direita. Existe, naturalmente, a outra versão, que pode ser tocada somente com a mão esquerda (YRS-900 L). Pois bem: Eu digitei o modelo no google e achei pouquíssimas referências, e, claro, uma delas era no site da yamaha no Japão, o que pouco me ajudou; Também não achamos nada sobre como fazer a importação da tal flauta e quando entramos em contato com a Yamaha do Brasil, a resposta deles foi que não teriam como importar a referida flauta.

Pois bem: Eu mesmo nunca imaginei que haveria uma “flauta acessível”, pouco sei sobre acessibilidade nos instrumentos não eletrônicos e creio que muitos também estão nessa situação. Ao saber que havia esse problema do Tiago e, naturalmente, que pro referido problema havia uma solução fiquei muito feliz mas ao mesmo tempo desapontado: Quando a gente não tem acessibilidade em algo, seja o que for, a gente luta por ela, faz projetos, reivindica, contacta empresas, etc. Contudo, o que faz quando tem e não sabe dela? Ou, pior, como foi no caso do tiago: Tem a acessibilidade mas ela se torna inacessível? A resposta da Yamaha para nós foi em caráter definitivo, pelo que pude sentir: Além de eles não terem conhecimento do referido instrumento (E não tinham quando entrei em contato com eles), ainda dizen que não a importam!

Tenho que dizer que isso pra mim foi mais surpresa que saber que algo, muito importante, ainda não tem acessibilidade. Conversando com a própria Rebeca, a mesma me contou que tem diabete (Como muitos outros cegos que conheço) e me falou que mesmo sendo essa a terceira maior causa de cegueira no Brasil não existe até hoje um glicosímetro com sintetizador, e não há qualquer laboratório que produza insulina e a venda com denominações em Braille. Não questiono a questão da insulina mas quanto ào glicosímetro, será mesmo que não existe? Será que não é mais um produto que há no mercado mas não sabemos da existência dele e não temos como importar? E convenhamos: Não seria assim tão difícil pra uma empresa fazer algo nesse sentido, pelo contrário: É bem mais fácil que produzir um instrumento eletrônico acessível, ou um computador ou celular, coisas que já existem.
Pois então: Devemos lutar pela acessibilidade e temos o direito de exigi-la sim! Mas o que fazer quando ela existe e não sabemos ou não está a nosso alcance? Mais absurdo que não ter acessibilidade é quando a temos, mas não podemos alcança-la! A divulgação deve fazer parte quando da criação de qualquer produto acessível, especialmente na internet; E a obtenção também: Ao invés de uma resposta definitiva e negativa, por que não buscar, trazer e divulgar? Garanto que não seria só o Tiago o único beneficiado com a Flauta acessível, por exemplo; Muitos outros que só tem uma mão poderiam realizar o sonho de começar a tocar um instrumento, muitos poderiam aproveitar. E o que dizer do argumento sobre a quantidade, pra valer apena a importação? Simples: Se não divulgamos e não tentamos, nunca teremos um resultado. E eu, somente eu, já conheço umas três ou quatro pessoas que poderiam ser beneficiadas com o instrumento! Quantos mais não haverão por aí? Somente poderemos saber quando empresas como a yamaha pararem de dar respostas negativas e resolverem “arriscar”!

Termino então esse artigo na expectativa de que o mesmo sirva para iluminar aquelas mentes que gostam de primeiro dizer não, fazendo com que elas resolvam primeiro tentar, para depois, tendo um resultado prático na mão, aceitar ou negar algo. Ainda falando da Yamaha e do artigo anterior sobre acessibilidade, eu havia mencionado a Yamaha e a Roland, mas existem muitas outras que poderiam também aderir a essa campanha. Contudo, a Yamaha foi a única que se dignou a me responder dizendo que estavam encaminhando minha solicitação aos responsáveis. Até agora não obtive mais nenhum retorno nesse sentido, mas vou entrar em contato pra saber se algo foi ou será feito e, naturalmente, divulgo o resultado aqui.

Cumprimentos

Fernando

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